Nos dias de 02 a 06 de Julho de 2012 foi realizado o 10º Encontro da Igreja na Amazônia, em Santarém (PA). Participarm do encontro os 40 bispos dos regionais Norte 1, Norte 2 e Noroeste da CNBB (Os estados do Pará, Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima, Acre, Mato Grosso, Maranhão, Rio Grande do Norte). Além dos coordenadores de pastoral, leigos e religiosas das Dioceses e das prelazias desses Estado, participaram também o presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia, Cardeal Cláudio Hummes e o Secretário Geral da CNBB, Dom Leonrdo Steiner. Estavam presentes também os representntes da Kirche in Not e da ADVENIAT. A Prelazia de Coari (AM) foi representada por Dom Marcos Piatek e pelo Pe. Agnaldo, coordenador prelatício da pastoral.
O 10ª Encontro da Igreja na Amazônia foi realizado no Seminário São Pio
Décimo e destacou o tema: Cristo Aponta para a Amazônia. O evento foi uma celebração e avaliação da caminhada da Igreja na
região nos últimos 40 anos, inspirada pelo Documento de Santarém (1972). Na celebração final do 10º Encontro da Igreja na Amazônia, realizada na sexta-feira, 06 de julho, foi divulgada a seguinte Carta ao Povo
de Deus:
CARTA AO POVO DE DEUS
Irmãs e irmãos caríssimos em Cristo Jesus,Povo de Deus na Amazônia,
“Não tenha medo, cotinue a falar e não se cale, pois eu estou contigo“ (At 18,9)
“Cristo aponta para a Amazônia“ lembrava
o Papa Paulo VI aos bispos da Amazônia por ocasião de seu encontro em
Santarém, de 24 a 30 de maio de 1972, marco indelével na história da
Igreja desta grande região brasileira, habitada por povos de culturas e
tradições tão diferenciadas do outro Brasil.
Expressamos nossa gratidão ao Deus da
vida porque nestes 40 anos, não obstante nossas fragilidades, nossa
Igreja tem anunciado Jesus Cristo ressuscitado, caminho, verdade e vida e
tem marcado presença junto ao povo sofrido, sendo muitas vezes a voz
dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, seringueiros e migrantes,
nas periferias e em novos ambientes do centros urbanos animando as
comunidades na reivindicação do respeito pela sua história e
religiosidade. É também a vida destes povos, seu modo de viver, sua
simplicidade, seu protagonismo, sua fé que nos encantam! Não faltou o
testemunho de entrega da própria vida até o derramamento de sangue. Este
testemunho nos anima, nos encoraja e nos fortalece. São também
protagonistas religiosos e religiosas, pastorais, movimentos e serviços
que tem sido uma força viva e atuante na realidade das nossas
comunidades.
Constatamos avanços no campo social e
político, com novos organismos de participação, conselhos de políticas
públicas, participação nas campanhas por leis mais justas, aumento da
consciência e engajamento na questão ecológica. No campo econômico,
cresce o consumo e o poder aquisitvo embora nem sempre acompanhado do
aumento da qualidade de vida. A vida na Amazônia continua sofrida.
Há séculos os povos da Amazônia gemem e
choram sob o peso de um modelo de desenvolvimento que os oprime e exclui
do “banquete da vida, para o qual todos os homens e mulheres são
igualmente convidados por Deus“ (SRS 39). A Igreja ouve os gritos, às
vezes desesperados, e se identifica com o seu clamor, conhece o seu
sofrimento. Mais ainda, a Igreja declara que “as alegrias e esperanças,
as tristezas e as angústias dos homens e mulheres, sobretudo dos pobres e
de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as
tristezas e angustias dos discípulos de Cristo“ (cf. GS 1).
As decisões sobre o desenvolvimento da
Amazônia sempre são tomadas a partir de fora e visam unica e
exclusivamente a exploração das riquezas naturais sem levar em conta as
legítimas aspirações dos povos desta região a uma verdadeira justiça
social. Quando Paulo VI declarava que “o desenvolvimento é o novo nome
da paz“ (PP 87), não pensava num “crescimentismo“ meramente econômico,
unilateral e excludente, mas convidava a todos os povos da terra a
empenhar-se por um mundo justo, fraterno e solidário, na perspectiva do
Reino que Jesus veio a anunciar “para que todos tenham vida“ (Jo 10,10).
Como quarenta anos atrás, a Amazônia
continua sendo considerada a “colônia“, mesmo que abranja mais da metade
do território nacional. Para a metrópole – Brasília, o sudeste e o sul
do País – Amazônia é apenas “província“, primeiro província madeireira e
mineradora, depois a última fronteira agrícola no intuito de expandir o
agronegócio até os confins deste delicado e complexo ecossistema, único
em todo o planeta. De uns anos para cá a “província“ recebeu mais um
rótulo, sem dúvida o mais desastroso, pois implicará a sua destruição
programada, haja visto o número de hidrelétricas projetadas para os
próximos anos: a Amazônia é declarada a província “energética“ do País.
Sob a alegação de gerar energia limpa se esconde a verdade de que mais
florestas sucumbirão, mais áreas, inclusive urbanas, serão inundadas,
milhares de famílias serão expulsas de suas terras ancestrais, mais
aldeias indígenas diretamente afetadas, mais lagos artificiais, podres e
mortos, produzirão gases letais e se tornarão viveiro propício para
todo tipo de pragas e geradores de doenças endêmicas.
A história da Amazônia revela que foi
sempre uma minoria que lucrava às custas da pobreza da maioria e da
depredação inescrupulosa das riquezas naturais da região, dádiva divina
para os povos que aqui vivem há milênios e os migrantes que chegaram ao
longo dos séculos passados.
Santarém 1972: Encarnação na Realidade e Evangelização Libertadora
Como já em 1972, os bispos reunidos em
Santarém de 2 a 6 de julho de 2012 não detectam apenas os mecanismos
perniciosos responsáveis pela miséria dos povos e a devastação das
florestas, mas os denunciam como responsáveis de gerar “ricos cada vez
mais ricos às custas e pobres cada vez mais pobres“ (João Paulo II,
Discurso inaugural de Puebla, 28 de janeiro de 1979) e de um
meio-ambiente cada vez mais deteriorado. O “lar“ (em grego “oikos“ – daí
a palavra “ecologia“) que Deus criou para todos nós não pode ser
explorado até a exaustão, mas exige cuidado, zelo, amor, também em vista
das futuras gerações. Os cientistas alertam sempre mais que a
devastação da Amazônia terá consequências irreversíveis para o clima do
planeta e se torna assim uma ameaça à vida e sobrevivência de toda a
humanidade.
Em 1972 os bispos da Amazônia já
identificaram graves feridas neste mundo de selvas e águas que atingiram
violentamente os povos originários e tradicionais da região. Como 40
anos atrás, também hoje os bispos se entendem como mensageiros dos povos
da Amazônia, profetas que vivem numa grande proximidade com Deus e ao
mesmo tempo sintonizados com os acontecimentos históricos, homens de fé
que „vêm da grande tribulação“ (Ap 7,14). Nestes nossos tempos, as
feridas se tornaram chagas abertas que perpassam e sangram a Amazônia de
fora a fora, causando cada dia mais vítimas fatais.
As prioridades da ação pastoral e
evangelizadora apontadas em 1972 continuam atualíssimas. Até hoje uma
formação adequada à essa região para ministros ordenados, mas também
para leigas e leigos que dirigem as comunidades, é fundamental. Importa
encarnar a Igreja no chão concreto da Amazônia. Quem exerce um
ministério, ordenado ou não, participa do pastoreio de Jesus e está a
serviço de seus irmãos e irmãs e quer exercê-lo na simplicidade do
lava-pés e numa proximidade fraterna ao Povo de Deus.
As Comunidades Cristãs ou Eclesiais de
Base tão recomendadas no Documento Santarém 1972 são expressão de uma
Igreja viva e comprometida. Como os bispos já afirmaram em Manaus
(2007), elas constituem um dom especial que Deus concedeu à Igreja na
Amazônia. São obra do Espírito Santo. O que o Documento de Aparecida
afirma, aplica-se de modo especial à Amazônia. As CEBs, diz o documento,
“têm sido escolas que têm ajudado a formar cristãos comprometidos com
sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como o testemunha a entrega
generosa, até derramar o sangue, de muitos de seus membros” (DAp 178).
As CEB’s são também uma resposta válida e empolgante para o mundo urbano
como resposta ao individualismo e a superficialidade do consumismo. Nas
CEBs se vive a dimensão samaritana da compaixão ativa e interajuda, de
um coração e mãos abertas para quem sofre ou passa necessidade, mas
também a dimensão profética de anunciar continuamente a utopia do Reino
e, ao mesmo tempo, denunciar todos os mecanismos e estruturas que
impedem a chegada do Reino. É exatamente esta dimensão profética que
gerou as e os mártires da Amazônia. As CEBs constituem-se em família das
famílias onde todos se conhecem e querem bem, mas são também centros de
oração e meditação da Palavra de Deus para nutrir a mística profunda da
vivência na proximidade de Deus. Ele mesmo se revelou como um
Deus-conosco e assegurou aos profetas, apóstolos, discípulas e
discípulos: “Eu estarei contigo“ (cf. Ex 3,14; Js 1,9; Jr 1,19; At
18,9-10). Afinal “se Deus está conosco, quem será contra nós“ (Rom
8,31).
Santarém 1972 assume a questão indígena
como causa de toda a Igreja na Amazônia. Lembra que no mesmo ano por
iniciativa dos bispos, mormente dos da Amazônia, foi fundado o Conselho
Indigenista Missionário – Cimi.
Os bispos talvez não imaginavam quarenta
anos atrás o imenso apoio que sua decisão significava aos direitos e à
sobrevivência de dezenas de povos indígenas na região amazônica que, sem
o empenho intransigente da Igreja, teriam desaparecido. A presença
solidária e o apoio incondicional à luta por seus direitos foi
fundamental para que hoje a maioria dos povos indígenas da região tenha
suas terras demarcadas. Foi também de enorme importância gerar uma
consciência de respeito e valorização dos povos, suas culturas e seus
projetos de “Bem Viver“. Dezenas de povos saíram do silêncio em que
foram forçados a se ocultar para sobreviver. Ressurgiram das cinzas e
estão lutando pelos seus direitos e suas terras. Alem disso a atuação
corajosa dos missionários, selando seu compromisso através do sangue
derramado pela vida desses povos, propiciou o surgimento de articulações
e organizações dos povos indígenas, essenciais para a conquista de seus
direitos e sua autonomia.
Os riscos de extermínio de vários grupos
indígenas em estado de isolamento voluntário, exige um renovado
compromisso com a sobrevivência de milhares de vidas e povos ameaçados
de extinção.
Na perseverança salvareis vossas vidas (Lc 21,19)
Deparamo-nos hoje com uma verdadeira
enxurrada de grandes projetos que os Governos querem implantar, seguindo
a estratégia do “fato consumado“. Não há discussão, nem consulta
popular que merecesse este nome. Decide-se e executa-se. Oponentes são
criminalizados ou taxados de inimigos do progresso. Também os
ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, e outros povos tradicionais
sofrem pela falta de reconhecimento suas terras.
A ética na política prometida à nação e
esperada pelo povo brasileiro cedeu lugar a uma sequencia ininterrupta
de escândalos de corrupção em todos os níveis governamentais.
Somado a estes desafios nos deparamos
com a emergência do fenômeno urbano, com o inchaço nas periferias das
grandes cidade, exploração sexual, tráfico de pessoas e de drogas,
violência. Em vez de investimentos em políticas públicas de saneamento
básico, saúde, educação e segurança, o Estado prioriza políticas
compensatórias, apoia e incentiva o grande capital, investe na
construção de estádios monumentais e outras obras faraônicas.
“Podem roubar-nos tudo, menos a
esperança” (D. Pedro Casaldáliga). No caminho de “Santarém”, novamente
nos lançamos nas estradas e rios, nas aldeias e quilombos, nos
interiores e periferias das cidades, nos grandes centros urbanos desta
imensa Amazônia, abraçando a Missão que nos foi confiada, comprometidos
com toda a criação e na busca de sermos autênticas comunidades de fé
alimentadas pela Palavra e pela Eucaristia. Nesta hora da história o
nosso coração às vezes, se angustia por causa de tantas dificuldades que
nos desafiam, aparentemente insuperáveis; no entanto, continuamos a ser
chamados e enviados como missionários e profetas para alimentar a
esperança, como âncora firme e segura (cf Hb 6,19), de um mundo novo,
inaugurado por Jesus Cristo Crucificado e Ressuscitado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário